Amanhecer

Hoje amanheceu depressa.

Como com pressa parece o Verão passar. 

É algo que me inquieta. Se os dias são mais longos no Verão, porque parece que este acaba quando está prestes a começar?

Já estamos quase em Setembro outra vez. O bulício regressa à cidade. A leveza dos turistas vai em breve dar lugar aos rostos sombrios, aos quotidianos monótonos, aos horários a cumprir, aos suspiros profundos. 


Hoje amanheceu depressa.

Tão depressa que não acordei a tempo de o ouvir sair. Lembro-me vagamente do chuveiro, de cobrir a cabeça com a almofada e dizer “ainda não... Por favor Sol pára de nascer, volta para o teu vale, deixa-nos dormir só mais um bocadinho”. Quase que juro que ele veio beijar-me antes de sair, assim muito ao de leve. Ou então sorriu apenas, enternecido, e não quis desviar a almofada para não me acordar mais do que Sol.

De repente apetecia-me ter 15 anos outra vez. Nessa altura o Verão passava mais devagar. A praia só acabava quando o Sol se punha, o sono só vinha quando não havia mais nada para fazer e a escola nunca mais recomeçava. Por finais do mês de Agosto a minha única preocupação era encomendar os livros para um novo ano lectivo, livros esses que folheava mal chegavam para saber que matérias me esperavam. Nas disciplinas de letras apetecia-me ficar a ler tudo. Nas de ciências, achava que nunca na vida teria a inteligência suficiente para dominar tais conteúdos. 

Depois do banho, ao fim da tarde, parecia que ainda outro dia começava. Ainda tinha tempo para brincar com a Carol, jantar com a família e passar uma longa noite a ler, escrever, desenhar ou sonhar com príncipes encantados. Exactamente cinco anos depois, um príncipe encantado apareceu mesmo. E nessa noite de fim de Verão também amanheceu depressa, mas nós não nos ralámos. Permanecemos agarrados, a olhar-nos como se nos conhecêssemos desde sempre, desde o início do mundo. Como se os primeiros vinte anos da nossa vida tivessem sido apenas uma breve separação e agora nos tivéssemos reencontrado. Ficámos toda a noite acordados a compensar centenas de anos de distância. Para nós, só amanheceu quando quisemos. Eram seis da tarde.

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