O meu país infeliz


O meu país é cheio de sol e de mar e de paisagens bonitas. É cheio de poetas e atletas e artistas de renome. É cheio de história e de feitos e de tesouros em cada recanto. Mas também é cheio de pessoas. E a maioria das pessoas é desinteressada e muitas vezes iletrada também. 

Só num país de pessoas desinteressadas é que se chega ao que se chegou. Pessoas que não votam, que não se queixam, que não se impõem, que deixam andar, que fecham os olhos, que acham tudo normal. Ou que se queixam apenas quando as ervas daninhas chegam ao seu quintal, assobiando entretanto para o ar, esquecendo-se que na verdade é mesmo a união que faz a força e que se tivessem ajudado o vizinho a combater as ervas daninhas quando elas o atingiram, talvez estas não se tivessem propagado pelo bairro inteiro.

Só num país de pessoas iletradas é que se engolem todas as informações e desinformações que aparecem na comunicação social sem questionar. Sem sentido crítico. E se elegem corruptos atrás de corruptos, incompetentes atrás de incompetentes, divididos em dois partidos (ou quatro tanto faz, porque quando chegam a qualquer cargo de poder são todos iguais e as mesmas pessoas que criticavam os lobbies, os empregos para os amigos, a incoerência, passam a fazer exactamente a mesma coisa).

Só num país de pessoas assim se deita por terra o futuro de pelo menos duas gerações. Por ganância, incompetência e amor ao poder de uns e por desinteresse, passividade e alheamento dos outros.

No dia em que se celebra a felicidade não posso, por isso, estar feliz com o meu país. Um país onde há outra vez crianças a ir para a escola de estômago vazio e velhos sem dinheiro para os medicamentos. Onde há reformados a sustentar os filhos e os netos com as suas cada vez mais magras reformas e pessoas a desligar os aquecedores não por opção ecológica, que tanto me alegraria, mas por necessidade . Um país onde, em vez de se sair, se regressa a casa dos pais e onde os grandes empresários acham que um ordenado mínimo de 400 euros ainda é demasiado alto para se ser competitivo.

Não posso estar feliz quando nos últimos meses amigos atrás de amigos partiram para outros destinos e continentes, não pela aventura mas por não terem outra opção. Ou quando faço contas aos meus rendimentos depois de mais uma leva de cortes e constato que, se não fossem os meus pais e sogros, não podia ter mais filhos. Ou quando vejo o negócio onde a minha família trabalhou durante mais de cinquenta anos aumentar a estatísticas das insolvências e engrossar as fileiras do desemprego.

Sempre tive um espírito revolucionário, embora seja totalmente apartidária. Sou mais pelas causas do que pelas hierarquias. Sempre ergui a voz contra as injustiças e sempre questionei as ordens quando as achava injustas, não para ser do contra, mas para tentar compreender o seu porquê. (Talvez por isso, ao fim de dez anos de carreira, continue com quase tanto como quando comecei, o que também diz muito sobre a mentalidade das chefias deste país.) Quando vejo as notícias ou ouço as histórias da minha gente apetece-me ir para a rua gritar. Chega mesmo a apetecer-me incitar à violência, percebendo que muitos movimentos terroristas surgem exactamente do desespero de gritar e gritar e ninguém nos ouvir. Mas claro que isso é apenas um devaneio e nunca uma ideia de solução. Até porque este meu país (e a Europa em geral!) precisa mais do que revolucionários. Precisa de um rumo. E esse não o consigo vislumbrar. 

©VHILS

Comentários

  1. Muito bem escrito. Obrigado

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  2. Com uma ou outra adaptação, subscrevo a 500%

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  3. Nossa Pipa, comecei a ler o texto e achei que fosse sobre o Brasil, meu país, e fico triste em perceber que é geral mesmo esse descaso, pq eu considero Portugal, e a Europa de um modo geral, com uma consciência muito maior do que a nossa, que só temos 500 anos... mas olha, por outro lado, qdo pessoas, como eu e você e centenas de pessoas pelo mundo leem um texto desse e se identificam, significa que tem muita gente a fim de um mundo melhor, e isso me enche de alegria!!! Existe uma Bondade Maior, uma Justiça Maior, e Ela vai vencer!! Fé!!!
    Beijo grande!!

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  4. É isso mesmo Letícia :) Vamos ter fé. Obrigada :)

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  5. Concordo. A questão é que: «Aquele que vence os outros é forte, mas aquele que vence a si mesmo é poderoso.». Se cada um se conseguir vencer e no processo transformar, tudo o resto virá por acréscimo. É uma hipótese que estou a testar à escala da minha vida. Obrigada pela excelente reflexão acerca deste "estranho" país.;-)

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