Há gente na praia antes do meio dia


Bem sei que é difícil para grande parte dos adultos conceber ir para a praia antes do meio dia. Primeiro, porque a praia faz-se ao fim-de-semana ou nas férias, o que implica não ter horas para acordar. E segundo, porque de manhã ainda está fresco, a areia ainda está molhada e as traineiras ainda estão a regressar às docas. Pois. Mas isso é uma realidade que só existe para quem não tem filhos. Quem os tem, quer queira quer não, tem de redescobrir as maravilhas de fazer praia de manhã. E não são apenas os pais conscientes dos malefícios dos raios solares. São também todos aqueles que têm filhos que acordam pelas sete. Ou seja, milhares de pessoas.

Não desesperem, porque até há coisas interessantes a acontecer numa praia antes do meio dia. Uma delas é vermos que não fomos os primeiros a assentar arraiais. Há sempre pais que estão com olheiras maiores do que as nossas e que, pelas nove da manhã, já foram duas vezes ao banho. São eles que nos fazem soltar um sorriso ao perceber que afinal a nossa cria não é um demónio tão madrugador como parece.

Outra coisa interessante é a cumplicidade que se vive entre os diferentes casais. É inevitável uma troca de olhares, um aceno, um simples "bom dia" que contém todo um monólogo do género «Cá estamos nós, todos no mesmo barco, a fazer mais um pequeno sacrifício pelos nossos filhotes. A última vez que estive na praia a esta hora foi no Verão de 2005, a curtir o final de uma bebedeira, depois de fechar a discoteca. Ah, bons velhos tempos... Mas não me interpretem mal, adoro os meus filhos, são uns tesourinhos. Podiam era dormir até às dez. Vá, até às nove já era bom.».

Depois, também é interessante constatar o diferente tipo de equipamento que cada família leva. São poucos os que se ficam pelo mero chapéu-de-sol e toalhas. Agora há tendas de diferentes tamanhos e feitios, com tecido anti-UV, resistente a ventos e tempestades, com o fundo acolchoado para deitar o bebé, enfim, já para não falar dos brinquedos, das bóias que não se viram, das braçadeiras autoinsufláveis, dos fatos de licra completos (não vá a criança apanhar um raio de sol), e tudo isto transportado em carrinhos de bebé com rodas todo-o-terreno, ou em carrinhos de compras ou até em carrinhos-de-mão (juro que vi!).

Por fim, há um espectáculo dentro do espectáculo nas praias antes do meio dia que consiste em ver alguns pais a tentarem fazer as mesmas coisas que faziam antes de terem uma prole que requer vigilância constante, nomeadamente: ler um livro (um prémio para quem conseguir sair da primeira página), folhear uma revista (um prémio se conseguirem que nenhuma página seja rasgada), estar deitado a apanhar sol (ahahahahah!) ou comer um gelado sem ter de o dividir com um pequeno ser baboso. Digno de se ver.

Ao meio dia, quando os comuns mortais finalmente chegam à praia, ainda com os olhos inchados de tanto dormir, o hálito fresco e a roupa de praia incólume, já estão os pais a ir embora, cabelos desgrenhados, bocados de bolacha colados aos calções, suor a escorrer pela cara depois de uma hora a tentar fechar a maldita tenda que se monta em dois minutos, um bebé ao colo, outro a ser puxado pelo braço, enquanto esperneia porque quer ir dar mais um mergulho, meia hora para enfiar tudo no carro e, finalmente, ir para casa descansar, enquanto as crianças dormem a sesta ou se entretêm com um dos cinco mil brinquedos que trouxeram para as férias.

Os que resistem, levam com olhares incomodadíssimos. Olhares que dizem «acabou-se o sossego» sempre que uma criança lhe pisa a toalha sem querer. Olhares que dizem «devia haver praias interditas a menores» sempre que uma criança lhes salpica as costas ao mergulhar no mar. Pois. Também já fui assim. E agora estou a pagá-las.

Comentários

  1. Filipa,
    Tinha de partilhar csigo: tenho os olhos molhados de tanto rir a ler este seu post! Nao consigo parar de rir! Como me revi em cada linha! :D um grande abraço, votos de felcidades e sucesso, e venham de la esses livros maravilhosos :)))

    Claudia Salgado, Setubal

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