Eternamente Eusébio



Não era desta forma que queria começar o ano do blog. Tinha imaginado um post cheio de algodão doce e palavras divertidas. Mas a vida é assim mesmo: termina quando menos esperamos, mesmo para aqueles que tomamos por imortais.

Só que no caso de Eusébio, a notícia é mais difícil de interiorizar, uma vez que, ainda em vida, ele já era imortal. É como alguém dizer que Deus deixou de existir. Como assim? É impossível. Os deuses não morrem, que disparate! E por isso não consigo verter qualquer lágrima. Por isso e porque o seu nome apenas me desperta sorrisos. Pelas imagens de glória que me vêm à memória e pela lembrança do seu rosto, sempre sorridente, dentro e fora do campo.

Não sou da geração que teve o privilégio de vê-lo jogar, num tempo em que o futebol era apenas futebol, mas sou da geração que já nasceu com o seu nome tatuado na alma. Eusébio é Portugal, o rei plebeu da dinastia dos heróis. E como qualquer outro rei, não há como contornar a sua existência, passem os séculos que passarem.

Não sou da geração que teve o privilégio de se encantar com o seu jogo a cada domingo, mas ainda o vi jogar durante 37 minutos e fazer um golo, num jogo em sua homenagem a 1 de Dezembro de 1992. Foi a comemoração do seu 50º aniversário e a condecoração com a medalha de bronze da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República. Foi, aliás, a primeira vez que entrei no Estádio da Luz, pela mão do meu avô, e o dia em que fiquei irremediavelmente apaixonada pelo Benfica.

Não sou dos que tiveram o privilégio de privar com Eusébio, de ouvir as suas histórias e tirar fotografias a seu lado, mas consegui dizer-lhe o que sentia na única vez em que estive ao seu lado. Eu, que não sou nada destas coisas e acho sempre que as figuras públicas, quando estão nos seus momentos privados, não querem ser incomodadas.

Foi numa noite de Verão há dois ou três anos num restaurante em Sesimbra. Eu estava à espera de mesa junto à vitrina do peixe fresco e Eusébio veio escolher o seu jantar. Já o tinha visto sentado no fundo da esplanada, discreto como sempre foi, e dito a mim própria que gostava de ser mais extrovertida e ter coragem para ir cumprimentá-lo. O destino quis que Eusébio se levantasse e viesse até mim, como que me oferecendo a derradeira oportunidade de cumprir o meu desejo. Os meus joelhos começaram a tremer, a minha garganta secou e trezentas mil borboletas esvoaçaram na barriga. Enquanto Eusébio falava com o empregado, eu pedia ao meu cérebro para dominar o sistema nervoso e deixar-me falar. E assim foi. Antes que o Pantera Negra se voltasse a sentar, toquei-lhe no ombro e disse algo do género: «Senhor Eusébio, desculpe incomodá-lo, mas só queria dar-lhe um beijinho e agradecer-lhe por tudo o que fez pelo nosso Benfica e por Portugal. É um orgulho cumprimentá-lo». O Rei sorriu, agradeceu humildemente e voltou para a sua mesa, para a sua existência divina. Eu fiquei sem conseguir falar por mais dez minutos e só voltei à minha cor normal ao fim de vinte, o que é perfeitamente aceitável para quem acaba de falar com uma lenda.

Hoje, ao ver as imagens da sua despedida, orgulho-me de ter conseguido dirigir-lhe tais palavras, ainda que não tenham sido as mais inspiradas. Porque é muito mais importante homenagear as pessoas em vida do que escrever coisas bonitas depois da sua morte. E até nisso Eusébio foi especial. Recebeu homenagens e estátuas e medalhas enquanto as pode apreciar. Soube que era querido, não só pela família e amigos, não só pelos benfiquistas, não só pelos portugueses, mas por várias gerações de pessoas de todo o mundo. Agora, de regresso ao Olimpo onde pertence, de certeza que vai a sorrir, com o coração cheio de boas memórias.

Boa viagem.



Comentários

  1. Extraordinário post!
    Que enorme ternura!
    Vieram-me as lágrimas aos olhos ao ler o seu maravilhoso texto...

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  2. O meu pai morreu o ano passado...
    Hoje sinto-me como se o voltasse a perder...
    Que sorte tive de poder conhecer pessoas tão incríveis!
    Boa viagem e até um dia.
    Beijinho
    Paulo Pereira

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  3. Ontem dia 5 de Janeiro de 2014, estava a ser uma madrugada muito triste pois estava a prestar a última homenagem a uma tia muito querida que apesar dos seus 90 anos de idade feitos em Setembro de 2013, era uma senhora que todos os que privaram com ela se tornaram seus amigos, quando pelas 7horas da manhã tive a notícia da morte de Eusébio, a tristeza aumentou ainda mais, pois para além de ser simpatizante do Benfica era uma grande admiradora deste Senhor que sob sempre representar Portugal quer no desporto que é o futebol quer como pessoa simples e honesta que sempre foi.
    Paz à sua alma Eusébio, viverás sempre na memória daqueles que gostam de ti!

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  4. Bom texto/post! Parabéns.

    Não me querendo alongar, prefiro aproveitar o cântico espontaneamente entoado ontem por muitos:

    "És o nosso Rei, Eusébio
    És o nosso Rei, Eusébio
    És o nosso Rei, Eusébio
    Descansa, eternamente."

    Honras a ti, Eusébio. Obrigado por tudo!

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  5. opá, tão bom. tão bom. obrigada.

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  6. Mais um maravilhoso post de uma enorme ternura. Obrigada por nos fazer companhia en todos os momentos. O Eusébio era um verdadeiro senhor. Que descanse em paz.

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