O poeta esquecido


Uma das minhas citações preferidas é da escritora Doris Lessing, que, muito antes de atingir maior popularidade com o Nobel da Literatura, disse algo como "Algumas pessoas obtêm fama, outras merecem-na". É que isto da fama tem muito que se lhe diga, sobretudo na sociedade hipermediatizada em que vivemos. Na maioria dos casos, os famosos de hoje são-no por coisas banais e até estúpidas, que vão dos reality shows às festas da moda, passando  pelo trabalho de empresas de relações públicas pagas a peso de ouro, deixando no anonimato aqueles cujo nome não deveria ser esquecido. Nomes como Alberto Janes, poeta e compositor.

As poucas pessoas que têm a sorte de conhecer a obra deste senhor estão ligadas ao fado, onde se mantém uma referência incontornável. É que Alberto Janes escreveu e compôs alguns dos fados mais conhecidos do repertório de Amália Rodrigues, como "Foi Deus", "Oiça lá ó Sr.Vinho", "É ou não é", "Vou dar de beber à dor", só para citar alguns. Só que, ao contrário de outros, que viveram na sombra da Diva em busca de protagonismo, este poeta não procurou mais do que alguém que desse vida às suas palavras, continuando a sua vida discreta de farmacêutico e, mais tarde, professor.

Há uns anos tive o privilégio de poder ler e compilar a obra completa de Alberto Janes, que estava espalhada entre folhas e cadernos avulsos num apartamento no centro de Oeiras, depois da sua mulher morrer. Um privilégio apenas possível por ser casada com um dos seus netos. Quando conheci o Hugo, ele perguntou se eu gostava de fado e se conhecia o seu avô. Respondi com sinceridade: embora gostasse muito de fado, o nome Alberto Janes não me dizia nada. Com o tempo fui conhecendo a obra e ficando cada vez mais curiosa. Gosto de poetas e autores que escrevem de forma simples, sem floreados, sobre temas universais, sobre sentimentos comuns a todos a nós. Queria ler mais e mais e não descansei enquanto não pus as mãos naqueles cadernos antigos e cheios de versos verdadeiros. Bem dita a hora.

Descobri uma obra de grande qualidade e que, quer queiramos, quer não, faz parte da história do Fado e da Poesia portuguesa. Uma obra que não faz sentido continuar escondida. É um projecto da família um dia editá-la, mas até lá, e porque hoje se celebra o Dia Mundial da Poesia, partilho convosco um dos meus poemas preferidos, na esperança de começar a tirar Alberto Janes do esquecimento. Não só pelo meu marido e pelos meus filhos, que já têm como legado o sangue deste poeta nas veias, mas por todos os que gostam de coisas bonitas.



AOS MEUS

Os meus versos, nem eu sei
Porque os faço, na verdade,
Quando a tristeza me invade
Como se fosse um castigo,
Sinto uma voz interior,
Que me fala, que me anima,
Numa conversa que rima,
Talvez a brincar comigo.

Às vezes, na hora triste
Da tarde em que o Sol se esconde,
Fecho os olhos, nem sei onde,
Vai caminhando o meu ser,
Que sinto ao morrer do dia,
Rasgado dentro do peito,
Um poema de dor feito,
Que nunca soube escrever.

E num dia igual a tantos,
Em que parta, me vá embora,
Deve ser àquela hora
Tão sombria do sol pôr,
Os amigos, os meus filhos
E quem se lembrar de mim,
Conhece lendo-me assim,
A minha vida interior.

Alberto Janes (1909-1971)



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