A culpa é das mulheres



Se há coisa que me choca nos dias que correm é, após cerca de 160 anos de luta, ainda haver quem não entenda o que é ser feminista. Sobretudo as próprias mulheres. Não são poucas as que afirmam orgulhosamente “eu cá não sou feminista”, com o mesmo ar com que diriam não sou comunista, não sou fascista, não sou terrorista. Tal como muitos há que consideram que, agora que o direito ao voto, ao divórcio e em alguns casos ao aborto são dados adquiridos, não há razão para continuar com histerismos. Pois que dia melhor do que o de hoje para esclarecer as mentes mais distraídas?

Começo por vos elucidar sobre o que ser feminista NÃO É.

Ser feminista não é ser contra os homens ou as diferenças entre géneros.

Ser feminista não é negar a feminilidade, os padrões de beleza ou o cavalheirismo.

Ser feminista não é querer acabar com o nosso papel fundamental enquanto mães, educadoras e cuidadoras do lar.

As feministas não são mulheres ressabiadas, normalmente solteironas ou divorciadas (porque não há quem as ature) que querem castrar os machos, subjugá-los e reduzi-los a dadores de espermatezóides enquanto a ciência não conseguir dispensá-los na tarefa de propagação da espécie. Também não são todas lésbicas ou fornicadoras implacáveis que se recusam a casar e procriar só para mostrarem que são modernas.

Isto porque o feminismo não é o contrário do machismo. Não pretendemos sobrevalorizar as características físicas, intelectuais ou morais do género feminino em relação ao masculino. Não nos consideramos superiores ou mais capazes, nem queremos impor à sociedade uma sociedade matriarcal. Queremos simplesmente igualdade.

Posso então passar a enumerar o que É ser feminista.

Ser feminista é respeitar as características de cada género (qualquer género), livres de padrões opressores patriarcais.

Ser feminista é lutar pela igualdade. Porque embora a primeira geração de feministas tenha conseguido o direito ao voto e à propriedade, e a segunda geração tenha conseguido o direito ao divórcio, à independência dentro do casamento e ao aborto (ou pelo menos à possibilidade de escolher quando engravidar), cabe-nos a nós, a terceira geração, lutar pela igualdade salarial, pela igualdade no acesso a cargos políticos e administrativos relevantes, pela igualdade de tratamento dentro das empresas.

Ser feminista é lutar para que a violência sexual, incluindo a que acontece dentro do casamento ou namoro, seja vista por toda a sociedade como algo tão repugnante como a pedofilia.

Por isso, sim: o feminismo continua a ser necessário. E continuará a ser enquanto não houver em todos os sectores, públicos e privados, salário igual para trabalho igual; enquanto houver olhares de esguelha sempre que uma mulher anuncia que está grávida/ a usufruir da redução de horário por amamentação/ vai ficar em casa com os filhos doentes; enquanto houver mulheres a insinuarem que determinada colega só teve sucesso porque é bonita ou foi para a cama com alguém; enquanto continuarem a perguntar às miúdas de vinte e poucos anos nas entrevistas de emprego se estão a pensar casar-se e ter filhos nos próximos anos; enquanto tivermos de impor cotas para mulheres seja onde for; enquanto houver condescendência; enquanto as escritoras, pintoras e demais artistas não tiverem o mesmo destaque que os homens nas prateleiras das livrarias e nas paredes dos museus e galerias; enquanto houver mães a dizerem às filhas que não podem ir para o futebol porque são meninas, ou aos filhos que não podem ir para a dança porque são meninos.

E a culpa de ainda precisarmos do feminismo é precisamente das mulheres. Porque se somos nós que criamos e educamos os nossos filhos, se somos nós que nos deitamos com os nossos maridos, se somos nós que cuidamos dos nossos pais, como é que ainda estamos tão longe de alcançar a igualdade? Como é que, ao longo de mais de um século não conseguimos desfazer os preconceitos e educar mentalidades? Porque somos as nossas piores inimigas. Porque perdemos tempo com coisas pequenas, intrigas e invejas, mas sobretudo porque cuidamos primeiros dos outros e só depois de nós. Se gastássemos metade da energia que gastamos em fofocas a falar das coisas que é preciso mudar, se lutássemos pelos nossos direitos com a mesma ferocidade com que lutamos pelos nossos filhos, se pedíssemos justificações aos nossos empregadores com a mesma determinação com que pedimos justificações à gaja que se meteu com o nosso namorado, já não estávamos a ter (mais uma vez!) esta conversa.

O feminismo para uma mulher não devia ser uma opção. Devia ser uma obrigação, um modo de vida. E para os homens, que amam profundamente as suas mães, as suas irmãs e as suas filhas, uma causa pela qual lutassem com fulgor.



#nãomecalo









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