Assim começa


Um dos episódios da História que mais impressiona é a ascensão do nazismo e de outros regimes totalitários. Não pela violência, pela desumanidade ou pelas atrocidades cometidas, até porque essas, infelizmente, não foram as piores de que há registo desde o início das sociedades, mas porque nessa altura, a Europa era mais próspera, mais instruída e sobretudo mais educada do que noutros tempos. Estávamos nos anos 30! Sim, viviam-se sérias convulsões económicas, mas havia progresso, vacinas, carros, aviões, cinema, futebol. Em vários países as mulheres já votavam e já podiam estudar. Havia movimentos ímpares na arte, na pintura, na ciência. Havia Einstein, Picasso, Bertrand Russell. E ainda assim, ao Holocausto aconteceu perante a neutralidade de muitos e a passividade de quase todos. Como foi possível? Como é que ninguém fez nada? A resposta é simples: Propaganda, a maior arma do nazismo. 

A Propaganda é um modo específico e sistemático de persuadir e influenciar com fins ideológicos as emoções, atitudes, opiniões ou ações de um público alvo. As técnicas são variadas e todas elas eficazes: notícias falsas, dados manipulados, repetição incansável, apelo ao medo, definição de um bode expiatório, transferência de culpas, simplificação. Hoje é fácil identificar uma mensagem de propaganda e não precisamos de nos cingir a episódios quase cómicos como o do Ministro do Interior iraquiano a horas do regime cair, ou dos discursos de seis horas de Fidel Castro. Mesmo no dito mundo ocidental, aquele mundo sofisticado, moderno e abastado onde julgamos viver, as técnicas propagandistas continuam tão eficazes como em 1930. Aliás, o próprio Goebbels não poderia estar mais orgulhoso dos seus discípulos.

Poder-se-ia pensar que as pessoas estariam mais preparadas para enfrentar a propaganda com que são bombardeadas. Poder-se-ia pensar que estariam mais imunes e prontas para travar movimentos e ideologias perigosos aos primeiros sinais. Mas não. Em pleno século XXI temos Trump, temos Orbán e agora, Giuseppe Conte. Temos crianças retiradas aos pais e presas em gaiolas nos Estados Unidos, emigrantes a morrerem na fronteira húngara e a perseguição dos ciganos em Itália. Só para dar três exemplos, embora haja muitos mais.

No dia em que passam 85 anos das famosas queimas de livros em praça públicas, iniciativa do diretório nacional de estudantes nazista, mas que contou com a presença de entusiastas civis, polícia, bombeiros e representantes do governo alemão, poucos são os que falam e os que se revoltam, distraídos com coisas importantíssimas, que ocupam os primeiros vinte minutos de todos os telejornais, como o Mundial de Futebol. Durante o mês e meio que durou "Bucherverbrennung", também a opinião pública e a intelectualidade alemãs ofereceram pouca resistência. A burguesia distanciou-se dos acontecimentos, passando a responsabilidade aos universitários, enquanto outros países acompanhavam a destruição de longe, chegando a minimizar a queima como resultado do “fanatismo estudantil”.

E no entanto, ao ver o que se passa no mundo, só me vem à cabeça este poema:
"Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. 
Como não sou judeu, não me incomodei. 
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. 
Como não sou comunista, não me incomodei. 
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. 
Como não sou católico, não me incomodei. 
No quarto dia, vieram e me levaram; 
já não havia mais ninguém para reclamar."

Martin Niemöller, símbolo da resistência nazi- 1933

Não se distraiam. Não se acomodem. Não se deixem adormecer. Já começou.





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