O cão dos meus vizinhos


Os meus vizinhos têm um cão. Não os conheço, nem sequer sei os seus nomes e se me cruzo com eles é apenas na garagem, de passagem. Mas conheço bem o cão, que está sempre na varanda a olhar para dentro da casa onde não está autorizado a entrar.

A dita varanda é grande, dá a volta ao enorme apartamento de um último andar no Parque das Nações. No entanto, também é inóspita. Precisamente por ser num último andar, onde não falta o vento e muito sol, o que é óptimo para uns fins de tarde a ver as vistas, mas nem tanto para se viver todo o dia, todos os dias. Principalmente se formos um cão com considerável pêlo. Ah, pois. O cão dos meus vizinhos é um pastor alemão. Grande. Muito grande. E de olhos tristes. Não tenho absoluta certeza, mas parece-me que se trata de um cão troféu. Passo a explicar.

Quando me mudei para este prédio não havia cão nenhum. Havia um homem, muito simpático e comunicativo, que não devia trabalhar muito ou se o fazia era a partir de casa. Sei-o porque o prédio é em L e tem janelas do tecto até ao chão, ou seja, mesmo que eu não faça de propósito, quando me sento para almoçar, vejo quem está na varanda das outras casas. Assim, todos os dias o via, numa confortável cadeira, a apanhar banhos de sol, a ler ou a dormitar.  Como o carro em que andava era um chasso e o da mulher uma bomba, deduzi que ela é que tinha o dinheiro naquela relação. E não devo estar longe da verdade, porque um dia a confortável cadeira, o chasso e o próprio do homem desapareceram para nunca mais serem vistos.

Poucos meses depois surgiu o dito cão. Era um cachorrinho adorável. O meu gato gostava de saltar de varanda em varanda para o ir visitar. Ao início, os filhos dos vizinhos brincavam muito com ele. Depois despediam-se, iam para dentro e o cachorrinho ali ficava ao relento, colado ao vidro, a ver os donos no interior e ele cá fora sem perceber bem porquê. (Presumo que tivesse uma casota para dormir, do outro lado da varanda, aquele que eu não consigo vislumbrar da minha janela. Ainda assim, deve ser um forno nos dias quentes e um gelo quando faz frio.) De manhã havia sempre cocós espalhados pelo chão, que a empregada limpava. Mas pessoas da casa nem vê-las. Só as crianças ao fim do dia, durante uns dez minutos.

O tempo passou, o cachorrinho cresceu, perdeu a piada. As crianças já não vêm brincar com ele na varanda, já não há cocós porque agora a empregada (sempre a empregada) vai passea-lo quando chega e antes de se ir embora, mas de resto, tudo está igual. O pastor alemão, hoje adulto, grande e de olhos tristes, lá fica todo o dia e toda a noite numa varanda.

O que mais me custa é vê-lo espreitar para dentro da casa ao final do dia. Deve ser quando a família chega a casa e se prepara para jantar.  Sem ladrar e sem abanar o rabo, o cão anda de um lado para o outro da varanda. Pára, fica um minuto a olhar pelo vidro, depois vai outra vez ao outro extremo, onde presumo que faça o mesmo. Faz isto umas três ou quatro vezes e, como ninguém lhe liga, já num passo mais lento e resignado, ou vai-se embora para o outro lado da varanda ou deita-se ali no chão, onde o consigo ver. De olhos tristes.

Sei que não lhe falta comida, vejo que o pêlo está bem cuidado e não há vestígios de abuso físico, pelo que não há motivo para fazer uma denúncia por maus tratos. Mas não será isto uma forma de violência emocional? Mesmo para um cão? E quantos cães haverá como este? Alimentados, vacinados, mas nem por isso menos abandonados. Por que é que não compram antes uma Playstation às criancinhas?



Comentários

  1. Olá Filipa,
    Eu também tive um vizinho desses. Refiro-me a um cão pastor alemão que viveu num andar por debaixo de mim. Este cão meu vizinho, tinha algumas vantagens relativamente ao cão dos olhos tristes, nomeadamente o facto de as crianças do dono poderem brincar com ele, de os próprios donos o deixarem entrar em casa e de também o levarem a passear quotidianamente. Mas, como em tudo há vantagens e desvantagens, também o meu vizinho cão tinha uma desvantagem muito grande relativamente ao cão dos olhos tristes; a varanda não era grande, não era envidraçada (ele tinha de se empoleirar para ver a rua e só nos via a nós no andar de cima quando o espreitávamos). Em consequência desta limitação, o meu vizinho cão acabou por enlouquecer, tornou-se violento e teve de abandonar o seu T0 com vista para o Tejo ( quando empoleirado, entenda-se). Nunca apurei se o meu vizinho cão teve a felicidade de, mesmo louco, ter sido enviado para um sítio com espaço próprio para um cão, ou se foi entregue para abate aos competentes serviços camarários. Mas há uma coisa que eu sei; os meus vizinhos humanos gostavam muito de animais…

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  2. Que pena! Mas dá vontade de fazer alguma coisa. Tenta.

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  3. Aqui é complicado para comentar.
    Gosto disso não.
    Não consigo ler os outros comentários, Filipa.

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