Ganhamos poderes de Super-Herói


Há várias partes do corpo que ficam optimizadas depois de sermos mães, como acontece com os super-heróis, que eram pessoas normais até que um dia algo de incrível lhes aconteceu. O Homem-Aranha foi mordido por um aracnídeo, o Hulk foi atingido por uma bomba de raios gama, e nós pusemos uma criatura no mundo. Parece-me justo que tal aconteça, visto que há tantas outras partes que ficam irremediavelmente danificadas, como as barrigas ou as mamas.

Os olhos
Os olhos de uma mãe vêem para lá do óbvio. Assim que entram numa sala comportam-se como os olhos do Exterminador Implacável. Analisam a área em segundos, evidenciando todos os potenciais perigos: esquinas de mesas desprotegidas, tapetes enrolados, degraus, janelas, varandas sem protecção, bibelôs frágeis, almofadas de seda, um abre-cartas pontiagudo em cima da mesa, um cinzeiro de cristal no aparador, velas acesas e todo o tipo de objectos passíveis de serem postos nas pequenas bocas e narizes. Mais, os olhos de uma mãe conseguem acompanhar uma conversa e ao mesmo tempo controlar os miúdos. A visão periférica estende-se para lá do imaginável.

Os ouvidos
Quem inventou a expressão “ouvido de tuberculoso” não sabia o que era o ouvido de uma mãe. Uma mãe ouve o seu bebé suspirar para lá de três portas fechadas. Uma mãe consegue distinguir os gritos do seu filho no meio do recreio cheio de crianças. Mais, uma mãe consegue identificar os diferentes choros em instantes: fome, sono, birra, tédio, dor, teatro. O alcance de um ouvido de mãe é quase infinito e mesmo as mulheres que costumavam dormir que nem uma pedra, começam a acordar ao mínimo som do seu bebé.

A boca
Não é só a capacidade de dar beijos infinitos que surge com a maternidade. Há também a capacidade de emitir sons nunca antes experimentados, do gugu-dádá ao eco das nossas próprias mães, com os típicos “vou contar até três” ou “estás quase a levar um estalo”. Mas a aptidão mais surpreendente é fazer coisas como agarrar a chucha com os dentes e enfiá-la na boca do bebé enquanto as mãos lutam para lhe enfiar o body no meio de uma birra monumental.

O queixo
Esta é uma parte do corpo considerada inútil pela maioria das pessoas. Nada mais errado. O queixo tem uma força tremenda e não imaginam a quantidade de objectos que uma mãe consegue transportar com o queixo premido contra o externo. É como ter uma axila extra.

As mãos
A mão de uma mãe é suave, dura, leve, pesada, firme, elástica, e consegue fazer mais sozinha do que as duas mãos de uma não-mãe juntas. Tudo começa nos primeiros dias a sós com o recém-nascido. O pai voltou ao trabalho, as visitas já satisfizeram a curiosidade e a mãe pode finalmente gozar o seu bebé e descobrir que dava mesmo jeito ter mais um par de mãos. Mas como não tem, assiste fascinada a tudo o que consegue fazer só com uma, como colocar uma fralda, fazer um biberão do início ao fim, incluindo colocar a tetina, abrir um frasco de doce, colocar um babete, enfim, um mundo fascinante!

Os braços
Antes de ser mãe ficava de rastos ao transportar os sacos do supermercado; hoje em dia consigo agarrar todos os sacos com um braço e carregar um bebé de 13kg no outro, mais a minha mala e a mochila dele. Antes de ser mãe pedia sempre ajuda para transportar a mala de viagem; hoje em dia consigo sair de casa com o mais velho num braço, o ovo da mais nova no outro, o saco das fraldas e sei lá mais o quê. O meu marido disse-me recentemente que os meus braços nunca estiveram tão tonificados. Pois é, meu amor, também nunca tinha tido dois filhos rechonchudos a pedir colo constantemente. Sim, os braços de uma mãe passam de fina donzela a estivador em poucos meses e a verdade é que dá muuuuuito jeito.

Os pés
Os pés de uma mãe tornam-se velozes e flexíveis, porque temos de andar sempre a correr: atrás dos miúdos e de um lado para o outro na azáfama quotidiana. Mas o superpoder de um pé de mãe é ser quase uma mão. Juro. É como se fossemos macaquinhas. Quando já não há mãos nem braços disponíveis, uma mãe atira o sapato pelo ar e começa a fazer as coisas com o pé: embalar a espreguiçadeira ou o carrinho de passeio, travar a queda de um rebento que está a rebolar no sofá, impedir o carrinho de deslizar para debaixo do móvel da sala, agarrar uma peça de roupa do chão, levantar a tampa do caixote do lixo, fechar e abrir portas e, para as mais hábeis, até mudar o canal da televisão.

Por fim, há algo que não é uma parte de corpo mas que surge com a maternidade: os poderes psíquicos. As mães tornam-se videntes. Sabem o que os filhos fazem a toda a hora, adivinham como é que fizeram aquele arranhão e sentem quando uma asneira ou uma virose está iminente. É quase impossível uma criança conseguir enganar a sua mãe e todos nós, quando éramos miúdos, nos interrogámos como é que a nossa mãe sabia de certas coisas que aprontávamos. Agora sei como. Superpoderes meus amigos, superpoderes.



(texto originalmente publicado no livro «Coisas Que Uma Mãe Descobre (e de que ninguém fala)», Bertrand Editora, 2015)

Comentários

  1. Não é se má,mas veja lá se este texto não é bastante parecido com este. :) Estava a ler e a pensar: ia jurar que já li isto alguma vez. (não é preciso publicar o comentário)
    https://julia.pt/2016/05/25/a-maternidade-fez-de-mim-uma-mulher-interessante-por-ana-galvao/

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  2. Pois, pode ser coincidência. Quero acreditar que sim. ;)

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