Cabrices
Que as mulheres são umas cabras umas para as outras já eu sabia há muito tempo. Pode até não ser por mal, mas é inevitável. E uma das principais razões para a “cabrice” é a inveja. Por mais amigas que sejamos umas das outras, há sempre uma pontinha de inveja em todas as relações femininas. Ou porque o vestido dela é mais bonito, ou porque o biquíni fica-lhe melhor, ou porque está mais magra, ou porque o namorado lhe ofereceu uma viagem a Paris, ou porque foi outra vez aumentada ou pura e simplesmente porque já tem o novo verniz da Chanel e eu não.
A verdade é que invejamos, mais ou menos declaradamente, todas as mulheres mais bonitas, mais inteligentes, mais engraçadas ou mais bem sucedidas do que nós. Em vez de ficarmos felizes pelo sucesso delas, tentamos sempre fazer sobressair o lado negativo da coisa. Se conseguiu aquele trabalho é porque teve uma cunha, se conquistou aquele giraço é porque deve ser uma devassa, se está em grande forma física é porque é anoréxica e qualquer dia desaparece. Não há volta a dar, está-nos no sangue e quem disser o contrário não está a ser absolutamente honesta consigo própria.
O que eu não sabia é que há dois momentos na vida em que uma mulher se consegue livrar da cabrice das outras. E esses dois bonitos momentos são quando está noiva e quando está grávida. As palavras “casamento” e “bebés”, ou qualquer um dos seus sinónimos, são simplesmente milagrosas e fazem com que se crie uma efémera solidariedade entre quem as profere e quem as ouve. De repente, surgem músicas românticas, passarinhos, borboletas e muitos corações na cabeça da nossa interlocutora. Não acreditam? Então façam a experiência em qualquer local onde sejam atendidas por outra mulher.
Quando estava a preparar o meu casamento tive experiências sociológicas difíceis de acreditar. Desde uma certidão que tinha um prazo de entrega de três dias ser tirada na hora, até à empregada da Pollux que foi do “só temos o que está exposto” ao “vou procurar no armazém e se não tiver mando vir ainda hoje” assim que me ouviu dizer que precisava das jarras para a decoração do copo-de-água. E no outro dia, no consultório da minha ginecologista, a quem precisava de mostrar umas simples análises, bastou dizer que ia começar a tentar engravidar para que a recepcionista passasse do “tem de marcar consulta e agora só em Novembro” para o “passe por cá amanhã que, se a doutora não estiver atrasada, pode entrar sem marcação”. Confesso que quase me senti insultada.
Foi ao tentar perceber porque é que isto acontece que desenvolvi uma teoria muito deprimente acerca do género feminino: o grande objectivo de vida das mulheres é casar e ter bebés. Ou posto de outra maneira: a ideia criticada há cinquenta anos por Betty Friedan no seu livro revolucionário A Mística Feminina(1963) e por tantas feministas depois dela, de que as mulheres só conseguem encontrar satisfação através da criação dos filhos e actividades do lar, estava afinal correcta. Dizemos que queremos a igualdade, que queremos uma carreira e independência financeira, mas no fundo o que sabe mesmo bem é ter horário reduzido, um marido para pagar as contas e tempo para criar os filhos. Assim, deixamos momentaneamente de ser umas cabras porque vemos ali um reforço para o nosso lado da força, o que nos faz sentir menos mal por afinal ambicionarmos exactamente o mesmo que as nossas bisavós. Além disso, ao ser mãe a outra tem uma enorme probabilidade de não recuperar o corpinho que tinha, o que é sempre motivo de secreta satisfação.
É uma teoria que me entristece profundamente por colocar em causa todos os sacrifícios que milhares de mulheres fizeram pelos direitos que hoje damos por adquiridos, sem fazer ideia do que custou alcançá-los. Como o direito ao voto, à propriedade e ao divórcio, por exemplo. É um pesado código genético, que herdámos dos tempos em que o objectivo da humanidade era sobreviver e reproduzir-se e que não foi anulado por mais de um século de lutas pela igualdade. Mas o que mais me entristece é saber que é por isto, apenas e só por isto, que as mulheres nunca vão conseguir dominar o mundo.
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