Dos sonhos que se podem comprar
Agora que estamos mais perto dos 40 do que dos 30 e que temos dois filhos, um deles com meses de vida, comprámos uma carrinha pão de forma. Sim, leram bem, uma daquelas clássicas, mais velha do que nós, sem air-bag, sem ar-condicionado, sem vidros eléctricos, sem uma data de siglas que todos os carros modernos têm. Com inevitáveis horas de oficina, com percursos sem hora para chegar e, acima de tudo, com muita história. Irresponsáveis dirão uns. Malucos dirão outros. “Granda” pinta, tem dito a maioria.
A carrinha pão de forma sempre fez parte do meu imaginário. A minha primeira mochila era uma Pão de Forma cheia de personagens do Charlie Brown e, quando aos doze anos descobri a magia dos anos 60, sonhava com viagens numa destas carrinhas (ou no seu primo Carocha), a distribuir flores, paz e amor por esse mundo fora. Mais recentemente, eu e o meu marido, falávamos em alugar uma durante um fim-de-semana, para ir até às praias do sudoeste. Só não o fizemos porque o Hugo sempre achou que eu não seria capaz, já que nos primeiros meses de namoro, quando me propôs uma noite ao relento eu respondi que só acampava em hotéis. Mas se for só uma noite e houver uma casa de banho por perto, até alinho.
A coragem para dar tão ousado passo nasceu ao assistirmos à incrível viagem que os nossos primos Inácio e Leninha fizeram pela América do Sul. Num projecto chamado Dar a Volta, que começou em 2010 com uma viagem de oito mil quilómetros pela Índia num side-car, os nossos primos aventuraram-se a percorrer trinta mil quilómetros e dez países num destes míticos veículos. Não vou revelar mais sobre o projecto, porque podem saber tudo pelas palavras dos próprios aventureiros no seu site, mas posso dizer que é no mínimo inspirador e nos faz querer largar tudo e partir à descoberta dos fantásticos lugares que compõem o nosso planeta.
O bichinho foi crescendo, crescendo, até que a oportunidade de, efectivamente, comprar o mítico veículo, surgiu há pouco mais de um mês. Estávamos em casa, privados de sono devido ao nascimento da nossa filha, a quem eu estava a dar um biberão, quando o Hugo me perguntou qual o carro dos meus sonhos. Respondi que não ligo nenhuma a carros, que como ecologista prefiro andar de bicicleta, mas que, se tivesse mesmo de escolher, seria uma carrinha pão de forma. O Hugo sorriu e passou-me o seu portátil para o colo. No ecrã reluziam as fotografias do anúncio daquela que viria a ser a nossa carrinha. Bastou eu dizer que era linda, para ele ligar para o número que aparecia no anúncio, e ainda eu não tinha acabado de dar o biberão à miúda, já ele estava a combinar uma viagem até Paços de Ferreira, a discutir o preço e a terminar com um “então até 5ª!”.
Confesso que entrei em pânico. Ele estava mesmo a falar a sério. Ele ia mesmo comprar a carrinha. E os miúdos, e onde estacionamos, e as cadeirinhas de bebé, e se o dinheiro nos fizer falta daqui a uns tempos?
A resposta não se fez esperar e, no fundo, é a razão que me levou a escrever esta crónica: e se morrermos amanhã? Quantos dos nossos sonhos ficarão por realizar? Podemos esperar que os miúdos cresçam, que a conta bancária cresça, mas e se, nessa altura, for tarde de mais?
E pronto, convenceu-me. Porque, de facto, entre tantos sonhos que vamos tendo ao longo da vida, uns impossíveis, como voar ou acabar com a fome no mundo, outros improváveis, como ir à lua ou ser uma estrela rock, não há muitos que se possam comprar. Este podia. Irresponsável seria deixá-lo escapar.
Agora, de cada vez que entro na garagem e vejo a nossa pão de forma a reluzir, sinto-me grata por me ter deixado convencer por um marido que sonha ainda mais alto do que eu. Ainda não tivemos muitas oportunidades de passeá-la e tenho a certeza de que não vamos dar voltas de trinta mil quilómetros, como fizeram os nossos primos. Mas ainda que as nossas viagens se limitem a este pequeno país, a cada uma delas estaremos a percorrer pedaços do nosso sonho. E isso não tem preço.
Se quiserem ajudar-nos a escolher o nome da nossa carrinha, a votação vai decorrer aqui no Facebook.
Que fixeeeee!!! :) Adorei a parte chave para te convencer " e se morrermos amanhã?" Porque a vida é mesmo isto, aqui e agora e não simplesmente nos sonhos e projectos que ficam no nosso pensamento!!;)
ResponderEliminarParabéns pela coragem!! ;)
Obrigada Luísa :)
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