As birras trazem ao de cima o pior de nós


Além da tortura da privação do sono a que os filhos nos submetem durante largos meses (ou anos!), há outra arma de destruição maciça que não se coíbem de utilizar, sobretudo na fase dos dois aos quatro: a birra.

A birra é um estado de descontrolo emocional de um pequeno ser à mínima contrariedade. Pode ser resultado de frustrações compreensíveis porque “por hoje acabou-se a televisão” ou porque “não, não podes comer outro gelado”, mas também podem ser fruto de um contratempo tão surpreendente como oferecermos a água no copo azul em vez do copo verde ou mesmo por descobrir que a sua festa de aniversário não é amanhã, mas sim daqui a três meses.

Só que mais difícil do que tentar perceber no meio de um choro a roçar a histeria a causa de tal reação, é conseguir manter a calma e não responder na mesma moeda, isto é, com gritos histéricos e palavras das quais mais tarde nos arrependeremos.


Por norma uma mãe começa por enfrentar a birra com uma abordagem pedagógica: ajoelha-se em frente do pequeno ser, olha-o nos olhos, fala num tom calmo, diz coisas amorosas como “pronto, não é preciso chorar,  a mamã está aqui, vá lá, já não és um bebé, eu sei que estás chateada mas, blá, blá, blá”. E por norma esta abordagem não resulta.


Segue-se uma segunda tentativa de aplicar o que nos dizem alguns livros: ignorar até a criança perceber que o choro não a leva a lado nenhum e acabar por desistir do espetáculo. Porém, esta tentativa requer que estejamos num dia bom, em que o choro estridente não nos deixe os tímpanos a estremecer e em que a respiração abdominal que aprendemos nas aulas de yoga funcione. Também requer que o nível de birra seja médio baixo.


Mas como na vida real a birra vai em crescendo e neste ponto os gritos do ser que um dia se acalmava apenas com o nosso embalo já se ouvem por toda a vizinhança, uma mãe vê-se na contingência de adoptar uma abordagem mais autoritária, que inclui debitar todas as frases que um dia ouvimos da nossa própria mãe: “queres chorar, chora, não posso fazer nada, já te disse que não e é não até ao fim, era só o que faltava aturar birras de uma criança de dois anos, e é bom que te cales, estás a ouvir? Senão levas uma palmada que até andas de lado, queres levar uma palmada, queres? Olha que não estou a brincar? Sua feia!”.


E é precisamente a partir desse momento que o pior de nós começa a vir ao de cima e nos transformamos numa Mãezilla.  A irritação e a frustração por não conseguir controlar o nosso próprio filho traduzem-se em suores frios e numa vontade enorme de desatar e espalhar chapadas e palavrões. O auto-controlo que possuímos porque somos adultos e já levamos alguns anos de maternidade, em que todos os nossos limites físicos e psicológicos foram testados, impede-nos de enveredar por tamanha violência, mas na maioria dos casos não é suficiente para nos impedir de dar uma valente palmada e gritar frases estúpidas e infantis como “és má e já não gosto de ti”. 


Sim. Uma mãe à beira de um ataque de nervos é capaz de dizer coisas horríveis de que se arrepende de imediato. E o pior é que, à medida que a criança se acalma e em poucos minutos  esquece tudo o que aconteceu voltando a ser um anjo adorável, nós começamos a sentir-nos umas mães horríveis, jurando a nós próprias que nunca mais perderemos as estribeiras e que vamos voltar a ler o raio dos livros escritos por todas as pessoas calmas e ponderadas que jamais se passam da cabeça e têm filhos adoráveis. Até à próxima birra...



Ilustração de Sofia Silva, originalmente publicada no livro "Coisas Que Uma Mãe Descobre e de que Ninguém Fala"  Bertrand Editora 2015

Comentários

  1. Gosto sempre de ler publicações sobre birras e gosto de ler os comentários a essas publicações, sentindo-me do lado das mães sempre, apesar de e agora a parte interessante, os meus filhos nunca, mas nunca, fizeram uma birra. Fico na duvida se sou eu que sou uma sortuda, ou se as minhas crianças (de há 19 e 27 anos atrás) não eram normais... E entendo, como deve ser frustrante para uma mãe querer acalmar os filhos e não conseguir... eu sentia-me uma inútil quando em bebés de colo, recém nascidos, não lhes conseguir calar o choro. E aquelas birras no meio da rua ou nas lojas? Céus! Que meddssss!

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  2. Ainda não sou mãe, mas tive já alguma experiência com birras de primas mais novas a quem fazia babysitting mts vezes. Uma outra estratégia que às vezes parece funcionar é sermos macaquinhos de imitação. :P Se ela está a chorar, a gritar, a espernear, ou o que quer que seja, fazemos igual até a criança eventualmente parar. Estranho, se calhar pouco adequada a sítios públicos, mas vai resultando :)

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  3. Felizmente fui uma mãe muito sortuda a quem calhou uma criança de bom feitio e de poucas birras nenhuma delas em público. Talvez tenha contribuído para tal uma cara que por acaso (e vontade do destino ou dos pais) me saiu com uma aparência sempre mal humorada e um bocado má que faz com que as crianças fiquem sempre em dúvida se irei ou não ficar muito zangada :). A minha própria criança também ficava sempre em dúvida pelo que a maior parte das vezes bastava abrir um pouco mais os olhos e dizer "em casa falamos". Nada de enganos... o que funcionava mesmo era a retirada dos objectos que adorava, fosse o direito a ver desenhos na tv ou ganhar uma ida mais cedo para a cama... e já não estamos nessa fase mas acho que a proibição de uma saída noturna em caso de necessidade ainda funcionaria eheheheheh :)
    Paula

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  4. Olá Filipa.

    Sou pai de um rapaz de oito anos e uma rapariga de sete anos. Lembro-me bem desses ataques de fúria e de passar pelo processo que descreves. Há pouco tempo escrevi um artigo sobre uma estratégia que tenho experimentado para lidar com a raiva deles. Pode ser que te ajude, por isso deixo-te aqui o link para o texto: http://apulsar.pt/pai-descobrir-lidar-emocoes-filhos/

    Obrigado pela partilha honesta. Maior parte das vezes a vergonha não nos deixa contar as coisas como elas realmente são.

    Abraço
    Rodrigo

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