A importância de desligar
Nos dias que correm, um dos maiores desafios com que um ser humano se depara é conseguir desligar-se de toda a tecnologia e informação que o assalta assim que abre os olhos pela manhã. Começa logo com o despertador, que hoje em dia é invariavelmente o telemóvel. Ao desligarmos o dito cujo, aproveitamos para espreitar uma ou outra informação online, seja as capas dos jornais, seja o trânsito que nos aguarda, seja o tempo que vai fazer. Já agora, passamos os olhos por um ou dois emails e, quando damos por nós, estamos agarrados à tecnologia mesmo antes de dizer bom dia à pessoa que está deitada ao nosso lado.
Quem consegue não sucumbir ao iCoiso e ir directo para o banho, não se livra de, mais cedo ou mais tarde, ligar o rádio ou televisão. Ou seja, antes de pormos um pé na rua, já enchemos o nosso cérebro de informação útil e inútil, ignorámos sem notar os outros seres vivos que habitam a casa e nem soubemos apreciar o chilrear dos passarinhos, que mesmo na cidade se fazem ouvir (se prestarmos atenção, claro).
Durante o dia a coisa não melhora: painéis publicitários em sítios cada vez mais inusitados, o computador no trabalho, a música no elevador, os emails, as redes sociais, as mensagens escritas numa linguagem cada vez mais distante do português, mais uma passagem pela internet à hora de almoço e um regresso a casa arrastado de exaustão. Como é que não haveríamos de chegar a casa tão cansados depois de tudo o que fizemos ao nosso cérebro por horas a fio?
É então que começam os problemas conjugais. Dois adultos cansados e com a cabeça cheia encontram-se para partilhar uns metros quadrados até irem para a cama (muitas vezes, preciosos metros quadrados que também são partilhados com outros seres, tais como filhos barulhentos e sedentos de atenção). Ainda falta fazer o jantar, despejar o lixo, estender a roupa e sei lá mais o quê. Quando finalmente, pelas dez da noite, se conseguem sentar no sofá a relaxar, ligam o iCoiso ou a televisão e ficam cada um para o seu lado até os olhos começarem a fechar-se. E assim se passam os dias e as semanas e os meses. Quando param para pensar, estes dois adultos afirmam que não tiveram tempo para ter uma única conversa de jeito. Isto é, uma conversa que não contenha as palavras miúdos, colegas, chefe, contas, roupa suja ou comida para o gato.
Mas como evitar cair nesta espiral destruidora de relações? Teremos de abdicar de todas as comodidades do século XXI? Teremos de largar a vida urbana e abraçar uma vivência em lugares remotos onde não haja rede? Virar hippies? Calma, não é preciso chegar a tanto. Basta aprender a desligar.
Tal como podemos ligar todos os aparelhos que proliferam nas nossas casas, também temos o poder de os desligar, nem que seja uma noite por semana. Sim, uma noite. Aquelas duas horas que perdemos no sofá à terça-feira, a fazer zapping ou a ver mais um episódio da série do momento, podem ser transformadas em duas horas de conversa com a pessoa com quem escolhemos viver. Não tem de ser uma conversa intelectual, nem sobre a actualidade. Pode começar por ser uma conversa banal sobre o buraco na estrada que foi finalmente tapado ou sobre a nova cor de cabelo da Dona Crismina do terceiro esquerdo, que oscila entre o lilás e o beringela. Podemos contar uma anedota ou falar do novo hit que está sempre a passar na rádio. Uma música calma no fundo, um copo de vinho ou uma chávena de chá e a conversa vai fluir para caminhos pouco óbvios até que, palavra a palavra, vamos reconstruindo (ou simplesmente reforçando) a nossa intimidade enquanto casal.
Sim, haverá silêncios e alturas em que não sabemos o que dizer. Mas em pouco tempo aprenderemos que esses silêncios contêm cumplicidade, harmonia e amor. E o melhor de tudo é a manhã seguinte. É que já está cientificamente provado que os aparelhos electrónicos podem provocar distúrbios no sono e que as redes sociais em excesso nos tornam mais tristes, porque vemos a (falsa) felicidade e a (suposta) diversão dos outros e achamos que a nossa vida é uma seca. Assim, desligados das tecnologias e com tempo para dedicarmos a uma boa conversa, adormecemos de bem com a vida, connosco próprios, com os nossos parceiros e, consequentemente, acordamos muito mais felizes, livres daquela sensação de que as noites são todas iguais durante a semana. Porque o tempo é o que fazemos dele e há sempre um tempo em que temos de saber desligar.
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