A Maratona


Quase todos os dias sou surpreendida por notícias de divórcios e separações. Amigos, conhecidos, celebridades, todos nos atiram à cara que o amor já não é o que era e que o melhor é deixarmos de sonhar com vestidos brancos e marchas nupciais. Mesmo os casais que resistem à prova do tempo não conseguem esconder desabafos do género “aproveita enquanto podes” ou “se soubesse o que sei hoje, tinha ficado para tia”, como se o dia mais feliz das suas vidas tivesse sido um engodo para uma vida de rotina e clausura.
Há várias teorias sobre o falhanço dos casamentos. Uns dizem que é porque as pessoas são egoístas e não gostam de ceder, outros dizem que é porque as mulheres mudam depois de serem mães, outros ainda dizem que é porque se casam sem se conhecerem verdadeiramente. Se calhar estão todos certos, e até pode ser que seja um bocadinho de tudo isto. Mas para mim, o principal problema é que muitos casais vêem o casamento como uma corrida dos cem metros, quando deviam encará-lo como uma maratona.

Nos cem metros o que interessa é a velocidade. Queremos casar depressa antes que a noiva fuja, queremos casar depressa para dormirmos juntos todos os dias, queremos casar depressa para fazer mais jantares românticos, mais viagens exóticas, mais filhos, queremos casar depressa porque já temos trinta anos e o tempo não espera por nós. Depois casamos e pronto, está feito. Já não é preciso oferecer flores, já não há conversas de meia hora ao telefone antes de adormecer, já não se gasta dinheiro em surpresas nem cartões de aniversário com juras de amor eterno. Somos casados, ponto final. Cumprimos um sonho antigo, fomos ao encontro das expectativas que a sociedade criou para nós, partilhamos uma casa e, por vezes, uma família, acabando por deixar que a rotina e o excesso de confiança nos transformem em “room-mates”, em vez de fogosos amantes dos tempos de namoro. O desfecho deste cenário é tão previsível quanto inevitável.

Numa maratona o que interessa é a resistência. O grande dia é apenas a partida para anos e anos, décadas e décadas de uma vida a dois. Sim a dois, porque mesmo quem tem filhos deve estar ciente de que eles nascem e vão-se embora num espaço de vinte anos. É preciso guardar uma grande dose de energia para o que nos espera após a sua partida. E, tendo em conta que a esperança média de vida nos países ocidentais não pára de aumentar, espera-nos muito.

Tal como numa maratona, não se deve dar tudo no início. É preciso guardar alguns segredos e truques para usar ao longo dos anos, sejam eles uma nova posição do Kamasutra ou um novo hobby para explorar a dois. Tal como numa maratona, é preciso alimentar o casamento com doses estratégicas de romance, não apenas em datas especiais, mas sobretudo nos momentos mais desgastantes. Acima de tudo, quando estamos prestes a dar o “Sim”, há que ter a certeza de que temos arcaboiço para aguentar uma prova que testa todos os nossos limites: os físicos mas sobretudo os psicológicos. Porque tal como numa maratona, mais do que alguém ganhar, o importante é podermos partilhar a enorme felicidade de chegarmos juntos ao fim.


(texto originalmente escrito para A Farmácia de Serviço )

Comentários

  1. Adorei a comparação... grandes verdades! :) Um casamento feliz dá trabalho, não é pura sorte de se ter encontrado a alma gémea! ;)

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