Maltratarás o teu marido
Este é um dos principais mandamentos da maternidade. Esqueçam, por mais que neguem, por mais que achem que convosco isto não acontece nem vai acontecer, é uma evidência da vida e o número crescente de divórcios de casais com crianças pequenas só prova a sua veracidade.
Já referi noutras crónicas que as mães estão frequentemente cansadas, irritadas, frustradas e a sentir-se culpadas. Cansadas por causa das noites mal dormidas e das tarefas extra que ter filhos implica. Irritadas porque os miúdos conseguem levar-nos frequentemente ao limite da paciência. Frustradas porque queremos fazer mil e uma coisas e ser mães, mulheres e trabalhadoras perfeitas, mas, inevitavelmente, alguma coisa fica para trás. Culpadas por sentirmos muitas vezes vontade de fugir ou de voltar aos tempos em que não tínhamos de nos preocupar com mais ninguém para além de nós próprias.
Como a maioria das mães até são pessoas equilibradas, não despejam todos estes pesos no trabalho (embora muitas vezes nos apeteça arrancar a cabeça a certos colegas), nem nas crianças (que embora sejam muitas vezes causa da irritação, com as suas birras e manias, não pediram para nascer), nem nos amigos (que já vemos tão poucas vezes). Quem é que sobra, para descarregar toda esta energia negativa que se acumula ao longo do dia ou da semana? O desgraçado do marido.
Pronto, até parece que já estou a ouvir aplausos de todos os homens que se têm sentido injustiçados ao longo de anos e anos. “Finalmente alguém que nos compreende” dirão uns, “eu sempre soube isso, mas nunca disse a ninguém” dirão outros, “vá lá, afinal não é só comigo” dirão outros ainda. Mas calma, senhores, não pensem que se esquivam assim tão facilmente.
Eu assumo, em nome das mulheres, mesmo daquelas que não admitem que isto é verdade, que nós inevitavelmente vos trataremos mal em alguma altura da vida (ou do dia, para sermos honestos). Sim, vocês são o nosso saco de pancada. Sim, vocês são quem está ali ao lado no sofá no preciso momento em que nos está a dar um acesso de fúria. Sim, é errado descarregar toda a nossa raiva em vocês e, muitas vezes, até acabamos por nos arrepender, percebendo que fomos umas cabras, embora raramente o admitamos perante vós. Mas há muitas alturas em que vocês merecem cada decibel mais alto, cada copo atirado à parede, cada “não fazes nada de jeito” proferido.
A verdade é que os homens, por mais participativos que sejam, não conseguem pensar muito para lá do seu umbigo e não conseguem antecipar as mil e uma coisas que precisam de ser feitas em relação às crianças e às tarefas domésticas e é isso que nos tira do sério. Senão vejamos estes cenários típicos.
1. A ida de férias
Enquanto a mãe tenta fazer as malas dela e dos pequenos, com uma lista de três páginas na mão para garantir que não se esquece de nada, entre medicamentos, brinquedos preferidos, chapéus, toalhas, casacos, carregadores disto e daquilo, escovas de dentes, lanches para o caminho, saco das fraldas, etc., etc., etc., o pai faz a sua malinha e vai para o computador estudar o itinerário ou verificar o tempo para a região ou qualquer outra coisa pouco importante perante o peso da responsabilidade de não deixar nada para trás. No meio das três páginas da lista, a mãe ainda consegue escolher a roupa para a viagem, separar os irmãos que se estão a pegar por causa do telecomando e tirar a côdea das torradas do mais novo, porque “o pai não tirou” apesar de saber (se não sabe devia!) que o miúdo é um esquisitinho e não come as torradas de outra maneira. É claramente uma questão de minutos até a mãe rebentar e proferir um “ importas-te de largar a #$%?! do computador e ajudar-me????”. O pai, desorientado, responde com espanto “já podias ter dito que precisavas de ajuda”. A sério? É mesmo preciso dizer?
2. O final do dia
Quando o pai chega a casa, já os miúdos estão na sala a brincar pacificamente, de banho tomado, enquanto a mãe faz o jantar. O pai entra, acaba de pôr a mesa e senta-se no sofá. Dois minutos depois a mãe aparece aos gritos com mil e uma perguntas e exigências. “Olha lá, porque é que não levantas o rabo do sofá e não tiras a roupa da corda? Ao menos, guarda a tua roupa, que já está dobrada em cima da cama. Trouxeste leite? Não? Não me digas que não reparaste que bebemos o último pacote de manhã? Tenho de ser eu a pensar em tudo, bolas, até parece que não vives cá em casa!”. E o leitor questiona-se “será que a mãe não está a exagerar? Pobre homem que chegou da labuta, que só tirou um minuto para relaxar no sofá depois de um longo dia de trabalho...”. Talvez, caro leitor, talvez. Mas o que o leitor não sabe é que antes do pai chegar ao lar aparentemente harmonioso, já a mãe trocou de roupa três vezes: a primeira depois de tentar dar banho a um terrorista que aprendeu a mexer no chuveiro, a segunda depois do outro bolsar o leite todo e a terceira quando um deles atirou o prato da sopa pelo ar. Também teve de limpar a casa de banho alagada e recomeçar a fazer o arroz, que entretanto se pegou ao tacho. Se o cavalheiro, em vez de se sentar no sofá, tivesse ido ter com ela com um doce “o que é que posso fazer para te ajudar?” teria ganho um sorriso e a harmonia familiar.
3. O passeio de Domingo
Quando o pai calmamente se levanta, à terceira vez que a mãe o tenta acordar, repara que o seu “Bom dia, dormiste bem?” não tem resposta. Acordou maldisposta, pensa ele. Não caro amigo. Não acordou maldisposta. A má-disposição veio de mais uma noite mal dormida, que incluiu mudar a cama à criança e sossegar um pesadelo, seguida de um despertar madrugador, porque “mamã já não tenho sono e quero papar mas tens de ser tu a fazer o pequeno-almoço porque o papá não sabe como é que eu gosto dos cereais”, seguida de um estender a roupa que lavou durante a noite para ver se está seca logo à noite e poder ser passada a ferro enquanto o senhor vê os resumos da jornada desportiva sentadinho no sofá, seguida de um escolher a roupa de toda a gente e verificar se o saco das fraldas tem uma muda de roupa porque vamos estar todo o dia fora e já agora é melhor levar bolachas, e o chapéu, e a bola caso vamos ao jardim, e um boião de fruta caso o almoço se atrase.
Ou seja, as mulheres maltratam os maridos depois de serem mães. Sim, é indiscutível. São menos doces, menos disponíveis para o amor, menos preocupadas com o dia dos maridos, menos atentas às suas necessidades. Sim, devemos fazer um exame de consciência de vez em quando e pedir desculpa, ser mais tolerantes e perceber que os homens não têm o mesmo jeito natural que nós com os miúdos e, lá diz o ditado, “mãe há só uma”. Mas senhores, cresçam um bocadinho e parem de se fazer de vítimas. Abram os olhos e vejam para lá do vosso umbigo. E se não têm o poder de antecipar as necessidades dos filhos ou das tarefas domésticas, mesmo as mais básicas como a necessidade de lhes vestir as calças do pijama porque se destapam todos de noite ou a necessidade de fazer a cama todos os dias, então perguntem e, acima de tudo, antes de se espojarem no sofá ou começarem a brincar com o iCoiso, ofereçam a vossa ajuda. Ela será muito apreciada e contribuirá para cada vez menos momentos de maus tratos.
in «Coisas Que uma Mãe Descobre (e de que ninguém fala)» Bertrand Editora 2015
ilustração por Sofia Silva mademoisellesilva.blogspot.pt
Pronto devia ser por isso que o meu ex se cansou e arranjou outra há um mês atrás e largou a mulher e o filho de 20 meses que andamos durante 7 anos a lutar e passar por 4 tratamentos.
ResponderEliminarInfelizmente cansam-se de tudo mas nós é que temos de aguentar :)